O jovem Júlio Barbosa no enterro de Chico Mendes em 24.12.88

LEMBRANDO DE 33 ANOS ATRÁS

por Júlio Barbosa de Aquino

Presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS

 

Em 1988 todos sabem do grande momento trágico que foi o assassinato do nosso companheiro CHICO MENDES. 

Chico sacrificou sua própria vida por acreditar que só era possível para os seringueiros da época, hoje extrativistas, conquistarem de fato e de direito suas colocações de seringa através da união e da organização.

Um dos feitos de Chico Mendes foi, em 1985, tomar a iniciativa de reunir as pessoas que sempre estavam a seu lado assessorando nas formulações das ideias para discutir a necessidade de colocar para o Brasil que na Amazônia, além de povos indígenas, também existiam milhares de famílias de seringueiros que estavam tão ameaçados quanto os indígenas com os programas e projetos do governo federal, que vinha incentivando de forma desordenada a ocupação da Amazônia por pecuaristas vindo de outras partes do Brasil.

Foi esse motivo que levou Chico Mendes a mobilizar mais de cem seringueiros, homens e mulheres dos estados do Acre, Rondônia, Amazonas, Pará e Amapá a ir a Brasília e denunciar o que estava ocorrendo na Amazônia com os povos da floresta. Foi dessa mobilização que nasceu, no mês de outubro de 1985, o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), hoje Conselho Nacional das Populações Extrativistas. 

O CNS já nasceu com uma pauta muito forte: discutir um modelo diferenciado de reforma agrária para a Amazônia, que levasse em consideração a existência de uma população que tinha formas de vida muito diferentes dos assentados dos projetos de agricultura do governo. Uma reforma agrária que respeitasse a forma de ocupação da terra e da floresta dos seringueiros, que era o formato de colocações com as estradas de seringa definindo os limites. 

Essa ideia ficava mais parecida com unidade de conservação do que com projeto de assentamento e foi assim que se chegou ao conceito de Reserva Extrativista (Resex). Mas como não existia esse modelo e nem uma regulamentação para criar as Resex, o primeiro passo foi regularizar as posses dos seringueiros no modelo de Projeto de Assentamento Extrativista (PAE), criado pelo Incra depois de uma reunião com o presidente do órgão, que entendeu a demanda e, em poucos dias, formalizou a nova modalidade de reforma agrária. 

E o primeiro a ser criado foi no Seringal Cachoeira, área onde morava a família do Chico, transformado em PAE Cachoeira e, infelizmente, foi o único que o Chico teve a oportunidade de participar da cerimônia de assinatura do decreto. 

E por que Cachoeira? Porque foi no Seringal Cachoeira onde aconteceu o embate mais tenso de todos os empates contra os desmatamentos que os seringueiro realizaram na região, porque se tratava de um enfrentamento com um grupo de fora que agia na região sem respeito às leis, usando a violência de pistoleiros para expulsar posseiros e ficar com a terra. As denúncias e o enfretamento que Chico Mendes fez resultou no seu assassinato por esse grupo criminoso.

Pois bem, a criação das quatro primeiras Resex aconteceu entre janeiro e março de 1990. Veja bem, pouco mais de um ano depois do brutal assassinato do principal companheiro dessa batalha.

Assinatura do Decreto Presidencial 98.897/90 em 30/01/1990, que criou a figura jurídica Reserva Extrativista
Criação das primeiras reservas extrativistas na Amazônia em 12.03.1990.

E assim, ontem, 12 de março de 2023, comemoramos 33 anos de criação das quatro primeiras Reservas Extrativistas.

Foi há 33 anos atrás que começamos a colher os primeiros frutos de nossa luta. Tenho muito orgulho de ter sido, e continuar sendo, parte desse processo, de ter sido companheiro de Chico e de ter contribuído para trazer o CNS até onde chegou.

Chegamos a um total de 75 Reservas Extrativistas criadas em todo o Brasil; na Amazônia são 40 Resex, em uma área de 13 milhões de hectares, e de 400 PAEs, em 9 milhões de hectares de terra. São territórios de florestas e águas sob o domínio das comunidades extrativistas.

Parabéns às nossas Resex!

Parabéns ao CNS!

Parabéns a todos companheiros e companheiras que lutam sem cansar para proteger seus territórios! E parabéns a todos os parceiros dentro e fora do governo que sempre estiveram ao lado dessa luta e dos povos e comunidades tradicionais do Brasil. 

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