Foto: Reprodução/ Uma Gota no Oceano

Caminhando contra a tempestade

Historicamente, a questão dos direitos indígenas no Brasil tem sido um tema de grande preocupação e luta por parte das comunidades indígenas e dos defensores dos direitos humanos.

Em tempos recentes, dois eventos de grande importância entraram na pauta de discussão mais urgente, uma vez que podem gerar um impacto significativo na demarcação das terras e no futuro das comunidades indígenas no país. O primeiro diz respeito ao julgamento do chamado “marco temporal”, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma tese jurídica bastante questionável que torna mais difícil a demarcação de Terras Indígenas (TI). O outro é o Projeto de Lei no 490, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e traz mudanças nas regras de demarcação, abrindo espaço para interesses do agronegócio, mineração e grandes empreendimentos.

Essas duas questões têm despertado preocupações sobre o futuro das TIs, a preservação dos ecossistemas e o respeito aos direitos das comunidades originárias, pois podem ter impactos reais diretos, como, por exemplo, no caso de um projeto de ferrovia que atravessará cerca de 2.000 km² de florestas, atingindo Unidades de Conservação (UC) e territórios indígenas, sem que essas comunidades sejam sequer consultadas.

Nesse sentido, no texto apresentado a seguir, de extrema relevância, a indígena Eliane Xunakalo, representante do povo Bakairi e presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (FEPOIMT), compartilha sua perspectiva e reafirma a importância da luta indígena por um futuro sustentável e igualitário no Brasil.

 

Caminhando contra a tempestade

No Supremo Tribunal Federal, o julgamento do “marco temporal”, tese jurídica que dificulta a demarcação de terras indígenas, aguarda a decisão dos ministros.

Já o Projeto de Lei 490, que foi aprovado na marra pela Câmara, muda as regras para demarcações. Juntos, Congresso e STF podem escancarar a porteira para o agronegócio, a mineração e empreendimentos como a Ferrogrão, que vai devastar 2.000 km² de florestas, atingindo importantes unidades de conservação e territórios de povos originários, que sequer terão direito a consulta.

 

Por Eliane Xunakalo

Apesar dos bons ventos que sopraram do novo governo, há indícios que tempestades podem surgir no horizonte indígena. No Supremo Tribunal Federal, o julgamento do “marco temporal”, tese jurídica que dificulta a demarcação de nossas terras, aguarda a decisão dos ministros. Mesma situação da Ferrogrão, ferrovia que vai impactar pelo menos 11 terras indígenas, parques e florestas nacionais ao longo de 933 km para ligar o Centro-Oeste aos portos do Arco Norte, paralisada pela Justiça desde 2021.

Em outra esfera, o Projeto de Lei 490, que muda as regras para demarcações e escancara a porteira para o agronegócio, obras e exploração de minérios, petróleo e gás foi aprovado na marra pela Câmara; isso em meio à ameaça do enfraquecimento dos Ministérios dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

Ferrogrão é o nome popular da estrada de ferro EF-170, mas nós a chamamos de “nova Belo Monte”. Depois do desastre que a usina provocou no Xingu, fazendo sumir os peixes e surgir a fome de quem dependia do rio para viver, a comparação faz todo sentido: mesmo com estudos que alertam para a inviabilidade econômica e os impactos socioambientais da ferrovia, o projeto segue a todo vapor.

Além de reduzir em 8,62 km² o Parque Nacional do Jamanxim, a Ferrogrão ainda afetará outras duas Florestas Nacionais, quatro territórios dos povos Munduruku, Kayapó e Panará no Pará e, pelo menos, sete terras indígenas em Mato Grosso, onde vivem 28 povos. Mais de 2.000 km² de floresta serão devastados.

Nosso motivo para lutarmos contra iniciativas como essa é a garantia de um futuro melhor. A palavra usada para justificar tais violações é “desenvolvimento”. Eu piso no chão das aldeias, mas também no das cidades. E o que eu vejo é desigualdade e precariedade de serviços públicos. Então, eu pergunto: desenvolvimento para quem?

O dossiê “Os invasores”, elaborado pelo De Olho nos Ruralistas, identifica 42 políticos e familiares com fazendas sobrepostas a 960 terras indígenas. A nossa luta coletiva é garantida por marcos legais que datam desde o fim do século 17, quando o Brasil ainda era colônia. A Constituição de 1988 ampliou a proteção a nossos direitos. Mas, passados 35 anos, a demarcação de todos os nossos territórios, que deveria ter sido concluída até 1993, é realidade distante.

Diante de tantos ataques nas mais diversas frentes, não nos resta outra opção que não seja reunir aliados para fortalecer uma estratégia que pomos em prática todos os dias, há 523 anos: resistir. Nós somos a terra e, por isso, quando lutamos por ela, lutamos por nós. A luta pela alma dos rios, pelas raízes das árvores e pela riqueza dos biomas não é só nossa: é de todos os brasileiros; de todos que dependem da água e do oxigênio que a floresta produz. Vamos seguir em frente, mesmo com a ventania contra nós.

 

*Eliane Xunakalo é indígena do povo Bakairi e presidenta da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (FEPOIMT).

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