Desmatamento da Amazônia

Brasil tem obrigações climáticas que são exigíveis judicialmente

O mundo está preocupado com as mudanças climáticas e buscando soluções antes que essas mudanças sejam irreversíveis. Em muitos países essas soluções incluem ações judiciais que buscam o cumprimento de compromissos assumidos por seus governos. No Brasil já existe uma ação nesse sentido.

O Instituto de Estudos Amazônicos – IEA é o autor de uma Ação Civil Pública (ACP) / Public Interest Climate Civil Action (acesse a íntegra da ação aqui) ajuizada em 08.10.2020 junto à Justiça Federal de Curitiba contra a União Federal (UF) para que esta cumpra com a sua obrigação de atuar para diminuir o desmatamento ilegal na Amazônia. Especificamente, o que se busca com esta ação é que a UF seja condenada a cumprir o que determina a Lei Federal nº 12.187/2009 que cria a Política Nacional sobre Mudança Climática (PNMC) com relação às metas de redução do desmatamento na Amazônia Legal.

A ação foi ajuizada pelo Instituto de Estudos Amazônicos (IEA), uma ONG fundada em 1986, com sede em Curitiba. Segundo Mary Allegretti, presidente do Instituto, a ação foi ajuizada em Curitiba, não por ser onde está a sede do IEA, mas porque em assuntos em que o impacto ocorre em nível nacional a ação pode ser ajuizada em qualquer capital federal. “Ajuizamos esta ação buscando o cumprimento de uma lei e um compromisso específico com relação ao desmatamento da Amazônia, que é de não ultrapassar 3.925km² de desmatamento anual na Amazônia Legal no ano de 2020”.

Segundo Delton Carvalho, advogado que representa o IEA na ação, o Brasil tem compromissos climáticos estabelecidos em lei desde 2009, quando foi criada a Lei da Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC, lei 12.187/2009). “Em 2009 a PNMC estabeleceu metas climáticas a serem atingidas até 2020. Os prazos estão expirando e é o momento de exigir seu cumprimento”.

Segundo a PNMC e seus decretos regulamentadores, a UF tem como meta até o ano 2020, reduzir em 80% os índices anuais de desmatamento na área da Amazônia Legal, em relação à média identificada nos anos de 1996 a 2005. Isso significa que no ano 2020 o desmatamento na Amazônia Legal não poderá ultrapassar a taxa anual de 3.925,06 km2 (artigos 6º e 12 da Lei Federal nº 12.187/2009 e artigos 17, I, art. 18 e art. 19, §1º, I, do Decreto Federal 9.578/2018). Os dados oficiais sobre o desmatamento da Amazônia são medidos pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia por Satélite (PRODES) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Os dados oficiais sobre o desmatamento de 2020/2021 (calculados entre 1 agosto de 2020 e 31 de julho de 2021) serão publicados pelo INPE apenas em 2021, mas os dados atuais já permitem identificar uma tendência de alta, que é o contrário do que deveria acontecer. Observe-se que no período 2017/2018 a taxa anual de desmatamento da Amazônia Legal foi da ordem de 7.536km². No período seguinte, 2018/2019, subiu para 10.129km². Ainda não foram publicados os dados finais para o período 2019/2020, mas estimativas publicadas no dia 3 de dezembro indicam que o desmatamento na Amazônia nesse período será da ordem de 11.088 km². Segundo ordena a Lei da Política Nacional de Mudanças Climáticas no próximo período este valor não poderá ultrapassar os 3.925km².

A ação solicita também que, caso a meta de 3.925,06 km2 não seja atingida, que a UF seja obrigada a realizar a restauração florestal na Amazônia Legal, de toda a área desmatada em excesso ao limite legal.

A ação está embasada em dados técnicos de relatório elaborado pelo Prof. Doutor Carlos Nobre, que dispensa apresentações, por ser um dos cientistas brasileiros mais conhecidos nacional e mundialmente. No Relatório Técnico de Embasamento para a Ação Civil Pública / Supporting Technical Report for the Public Interest Civil Action (acesse o relatório aqui), Dr. Carlos Afonso Nobre explica em linguagem acessível as questões científicas relacionadas às mudanças climáticas no contexto brasileiro, em particular aquelas relacionadas à Amazônia.

Fonte: Carlos Afonso Nobre, Relatório Técnico para Embasamento de Ação Civil Pública, 2020.

O que é possível fazer, já que a meta definida pela PNMC evidentemente não vai ser cumprida? “O governo brasileiro sabe o que precisa fazer para controlar e reduzir o desmatamento, basta olhar para as medidas tomadas em 2004 e 2005 que levaram à redução do desmatamento da ordem de 31% e 33% respectivamente” explica Allegretti, que foi Secretaria de Coordenação da Amazônia no Ministério do Meio Ambiente entre 1999 e 2003. “Agora, se não conseguir reduzir o desmatamento a solução é a restauração florestal. É o que pedimos seja ordenado à União em toda a extensão desmatada ilegalmente acima dos níveis aceitáveis segundo a legislação atual”, complementa.

“Além das obrigações do governo federal, temos que ver também o outro lado da moeda, ou seja, o direito que temos como cidadãos a viver em um ambiente saudável com estabilidade climática. Este também é um direito cuja proteção solicitamos em nossa ação. Os desastres naturais cada vez mais frequentes impactam as vidas de todos nós, especialmente as dos mais vulneráveis. Temos que tomar medidas urgentes agora”, explica Carvalho, que além de advogado é professor da Unisinos e Pós-Doutor em direito dos desastres.

Para quem ainda não entende bem a relação sobre o desmatamento da Amazônia e as mudanças climáticas, os autores da ação recomendam o relatório elaborado pelo cientista Carlos Nobre e que embasa o ajuizamento da ação. De fácil leitura, o relatório esclarece todas aquelas questões sobre mudanças climáticas que não tínhamos a quem perguntar.

O advogado que representa o IEA nesta ação é Delton Winter de Carvalho graduado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1999). Mestre (2001) e Doutor (2006) em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Pós-Doutor em Direito Ambiental e Direito dos Desastres pela University of California, Berkeley, CA, USA (2013), sob a orientação de Daniel A. Farber. Atualmente é Professor Adjunto I no Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

NOTÍCIAS

Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment

O site do Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment incluiu a Ação Civil Pública Climática ajuizada pelo IEA na lista de Leis sobre Mudanças Climáticas do Mundo.

Institute of Amazonian Studies v. Brazil

Jurisdiction: Federal District Court of Curitiba

Principle law(s): Law 12.187/2009, establishing the National Policy on Climate Change (NPCC), regulated by Decree 7.390/2010, Plan to Control Illegal Deforestation and Recovery of Native Vegetation (PPCDAm)

Side A: Instituto de Estudos Amazônicos – IEA (Ngo)

Side B: Brazil (Government)

Core objectives:

Whether the Brazilian Constitution guarantees a fundamental right to a stable climate and whether the Brazilian government may be compelled to meet emission and deforestation reduction goals

Mais informações:
https://climate-laws.org/geographies/brazil/litigation_cases/institute-of-amazonian-studies-v-brazil

Sabin Center for Climate Change Law at Columbia Law School and Arnold & Porter

A Ação Civil Pública Climática ajuizada pelo IEA também está na base de dados do Sabin Center onde estão registradas ações litigantes sobre mudanças climáticas em curso dentro e fora dos Estados Unidos.

Mais informações:
http://climatecasechart.com/non-us-case/institute-of-amazonian-studies-v-brazil

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