A seca severa que atinge a Amazônia há dois anos reduziu em 4,5 milhões de hectares a superfície alagada do bioma, segundo levantamento divulgado nesta sexta-feira (21) pelo MapBiomas. O estudo monitora áreas cobertas por lagos, rios e reservatórios no Brasil e aponta que 2022 foi o último ano com aumento na extensão de áreas alagadas no país.
Em 2024, a superfície hídrica da Amazônia ficou 3,6% abaixo da média histórica. O período mais crítico ocorreu entre junho e dezembro de 2023, quando os níveis d’água permaneceram abaixo da média por sete meses consecutivos. O bioma abriga cerca de 10 milhões de hectares de áreas alagadas, que correspondem a 61% da água doce do Brasil.
Quase dois terços das bacias hidrográficas amazônicas sofreram redução da superfície de água. O caso mais grave ocorreu no Rio Negro, onde sub-bacias perderam mais de 50 mil hectares de áreas alagadas. “Foram dois anos consecutivos de seca extrema na Amazônia, sendo que, em 2024, a seca chegou mais cedo e afetou bacias que não foram fortemente atingidas em 2023, com a do Tapajós”, observou Carlos Souza Jr., coordenador técnico-científico da organização, em entrevista para o Um Só Planeta.
A situação da Amazônia foi classificada como um dos três eventos climáticos extremos sem precedentes pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), segundo relatório divulgado na quarta-feira (19). Os outros dois foram as chuvas intensas no Rio Grande do Sul e a onda de calor que atingiu o Mato Grosso em agosto.
Mais da metade dos municípios da Amazônia Legal enfrentou seca ao longo de 2024, de acordo com análise do portal InfoAmazonia baseada em dados do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais). Dos 772 municípios da região, 459 (59,5%) registraram estiagem persistente entre janeiro e dezembro do ano passado.
Tendência de redução hídrica no Brasil
A retração da superfície de água observada na Amazônia reflete uma tendência nacional. Em 2024, o Brasil registrou 17,9 milhões de hectares de áreas alagadas, uma queda de 2% em relação a 2023 e de 4% na comparação com a média histórica do MapBiomas, que tem registros desde 1985. O levantamento indica uma redução progressiva desde 2009, com 2022 sendo o único ano da série com aumento da superfície hídrica. Oito dos dez anos mais secos ocorreram na última década.
Pantanal sob seca e queimadas
O Pantanal, menor bioma em extensão hídrica do país, registrou 366 mil hectares de áreas alagadas em 2024, o equivalente a apenas 2% da superfície de água nacional. A redução em relação à média histórica foi de 61%.
O bioma tem enfrentado estiagens prolongadas desde a última cheia significativa, em 2018. “Em 2024, a seca extrema intensificou os incêndios e dificultou a regeneração das áreas afetadas”, diz Eduardo Rosa, do MapBiomas Água.
Entre os estados mais afetados pela perda de superfície hídrica, o Mato Grosso lidera, com uma redução de 291 mil hectares (-34%), seguido pelo Amazonas e pelo Mato Grosso do Sul, ambos com uma perda de 275 mil hectares. Como os estados possuem dimensões distintas, o impacto varia: a redução representou 6% da superfície hídrica do Amazonas, enquanto, no Mato Grosso do Sul, chegou a 33%.
Entre os municípios, Corumbá (MS) foi o mais afetado, com uma perda de quase 260 mil hectares, equivalente a 95% da redução registrada no estado. Na sequência, Cáceres (MT) perdeu 167 mil hectares, e Barcelos (AM), 102 mil hectares.
No total, 45% dos municípios brasileiros tiveram superfície de água abaixo da média histórica em 2024, segundo o MapBiomas.
Crescimento hídrico em outros biomas
Embora a Amazônia e o Pantanal tenham sofrido perdas expressivas, a superfície hídrica aumentou na Caatinga (6%), no Cerrado (11%) e na Mata Atlântica (5%).
A Caatinga registrou os maiores volumes de água dos últimos dez anos, encerrando 2024 com 981 mil hectares de áreas alagadas. “Os resultados do mapeamento da superfície d’água em 2024 indicam a consolidação de um ciclo de cheias na Caatinga, iniciado entre 2018 e 2019. No entanto, apesar desse cenário favorável, persistem áreas com secas recorrentes, especialmente ao longo da bacia do São Francisco e na região do Seridó Nordestino — territórios particularmente vulneráveis à desertificação.”, relata Diêgo Costa, da equipe Caatinga do MapBiomas Água, ao Um Só Planeta.
No Cerrado, o aumento da superfície hídrica foi impulsionado por grandes reservatórios para geração de energia e pela expansão da agricultura irrigada. “Regiões como a bacia do Alto Paraguai, onde nascem rios do Pantanal, foram criticamente afetadas. No oeste da Bahia, houve redução generalizada da superfície de água”, afirma Joaquim Pereira, pesquisador do IPAM e integrante do MapBiomas Água, em entrevista ao Um Só Planeta.
No Pampa, apesar das enchentes históricas no Rio Grande do Sul, a superfície hídrica manteve-se próxima à média histórica (-0,3%). A estiagem no início do ano compensou o aumento das áreas alagadas provocado pelas chuvas, evidenciando a vulnerabilidade do estado tanto à seca quanto a precipitações extremas.