Maria Fernanda Ribeiro
Omissão do Estado em ações de fiscalização, principalmente entre os anos de 2019 a 2021, levou à explosão do desmatamento e queimadas dentro da reserva
O IEA (Instituto de Estudos Amazônicos) apresentou aos moradores da Resex (Reserva Extrativista) Chico Mendes a Ação Civil Pública (ACP) que pede à União uma indenização de R$ 283,8 milhões por danos decorrentes do desmatamento e as consequências sofridas pelas comunidades extrativistas ocorridos devido à omissão do Estado. A exposição foi parte da programação da 33º Semana Chico Mendes, em Xapuri (AC), que aconteceu entre os dias 15 e 22 de dezembro de 2022.
A resex Chico Mendes, uma das mais icônicas Unidades de Conservação de Uso Sustentável do Brasil, é hoje também uma das mais ameaçadas pela intensificação do desmatamento e das queimadas. De acordo com parecer técnico do professor William Flores, da Ufac (Universidade Federal do Acre), que também apresentou os dados aos presentes no evento e que embasou a ACP, até 2021 ocorreram no interior da Unidade ao menos 78,9 mil hectares de floresta desmatadas, valor correspondente a cerca de 8% da área da resex.
Ainda de acordo com os dados trazidos por Flores, que compilou no documento dados públicos já disponíveis, ocorreram também 147 mil hectares de queimadas dentro da reserva, no período de 2005 a 2021, além de pelo menos 53,2 mil focos de calor, considerando o registro de todos os satélites no período de 2000 a 2021. Segundo Flores, é possível afirmar que nos anos de 2019, 2020 e 2021, as ocorrências de derrubada de mata foram sem precedentes. Além dos seringueiros moradores da Chico Mendes, estavam também presentes no encontro outras instituições, associações e organizações não-governamentais com atuação no estado do Acre.
Para se ter uma ideia, cerca de um terço de todo o desmatamento registrado dentro da Resex pelo monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que compreende os anos de 1988 a 2021, ocorreu nesses anos mais críticos. Além disso, 50% de todas as queimadas ocorridas no período de 2005 a 2021, também ocorreram nesse mesmo período. A quantidade de focos de calor foi 54% do ocorrido em todo o período de 2000 a 2021.
A ACP é uma demanda que surgiu de Angela Mendes, filha do líder seringueiro Chico Mendes, assassinado por pistoleiros em 22 de dezembro de 1988 devido ao seu trabalho de proteção da Amazônia, impedindo as derrubadas por meio da promoção dos empates. Segundo Mary Allegretti, presidente do IEA, o pedido chegou em um momento de desespero de Angela, a partir dos relatos dos moradores da reserva sobre a presença cada vez maior de invasores para arrendamentos de terras dentro das colocações nos seringais transformando grandes áreas de florestas em pasto.
Durante a apresentação da Ação Civil Pública, os moradores confirmaram quão desafiador foram os anos ali durante o desmonte das políticas ambientais promovido pelo governo Bolsonaro. Foram relatos sobre a abertura ilegal de estradas, retirada de madeira, e a cooptação e ameaças de grileiros.
Lucas Costa Almeida Dias, procurador regional dos Direitos do Cidadão do MPF (Ministério Público Federal) do Acre, afirmou durante o evento que se trata da primeira Ação Civil Pública no estado com esse aprofundamento ambiental. “Estamos falando de um trabalho de primeiro nível, de algo muito novo.”
Genésio Natividade, advogado que elaborou a ACP e trabalha em parceria com o IEA, afirma que o objetivo é responsabilizar a União pela omissão ao não tomar as medidas de políticas públicas para fiscalizar e proteger a Resex Chico Mendes da destruição em larga escala. “É preciso reparar os danos e nesse sentido a ação tem um caráter educativo. O desmatamento da área envolve toda a coletividade e a dificuldade em manter suas tradições e cultura. Esse é um valor estimado, que tem como objetivo pautar uma discussão não só regional, mas sim nacional.”
A também advogada Pricila Aquino explica que, se procedente, a ação terá como resultados: 1) implementação e execução de planos e políticas de restauração, controle e fiscalização ambiental para a Resex Chico Mendes; 2) indenização dos danos materiais decorrentes do desmatamento, em pelo menos R$ 183.817.104,00, e dos danos morais coletivos sofridos pelas comunidades extrativistas em no mínimo R$ 100 milhões 3) declaração de que a União e suas entidades estão violando a legislação ambiental e constitucional.
O valor de R$ 100 milhões é para que haja uma compensação legítima pelas omissões e insuficiência na adoção de medidas eficazes para controlar, fiscalizar, e mitigar o desmatamento que assola a Resex, e que afeta o modo de vida, a cultura, a economia e a existência da comunidade tradicional extrativista. O valor deverá ser revertido a projetos de recuperação ambiental e de desenvolvimento socioeconômico e valorização da biodiversidade no território da Resex. A Chico Mendes abrange 970 mil hectares, é subdividida em 47 seringais e abrange sete municípios: Assis Brasil, Brasiléia, Capixaba, Epitaciolândia, Rio Branco, Sena Madureira e Xapuri.
Maria Fernanda Ribeiro foi a Xapuri a convite do Instituto de Estudos Amazônicos (IEA).