Fábio Pontes
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) passaram a responder, na Justiça Federal do Acre, a uma Ação Civil Pública (ACP) por crime de omissão em suas tarefas institucionais de garantir a integridade da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes. Desde a chegada de Jair Bolsonaro (PL) à presidência da República, em 2019, a unidade de conservação (UC) teve desmatada uma área de 305 km2.
Com o desmonte e o aparelhamento militar dos dois órgãos pelo governo que se finda, a Resex Chico Mendes – assim como as demais UCs federais – ficou escancarada para a prática de crimes ambientais, sendo a grilagem a mais intensa. A venda de lotes das chamadas “colocações” pelos próprios moradores da reserva representa hoje a principal ameaça para a preservação da Resex Chico Mendes, além da pressão da agropecuária no entorno.
A chegada dos invasores (oriundos em maior número do vizinho estado de Rondônia) sem o perfil extrativista contribui para o aumento do desmatamento. As áreas de floresta derrubadas são transformadas em pasto para o gado. Fazendeiros vizinhos também arrendam áreas dentro da unidade de conservação para deixar o gado.
Há relatos que os próprios pecuaristas financiam a abertura de pastos no interior da reserva. Com a desestruturação do ICMBio e Ibama pelo governo Bolsonaro, as fiscalizações foram praticamente extintas. Além das denúncias de assédio aos agentes do Instituto, o corte de recursos inviabilizou as operações em campo.
Em novembro de 2019, um grupo de moradores infratores que já respondem a processo de desintrusão, acompanhados de parlamentares da bancada federal do Acre, estiveram reunidos com o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pedindo o fim das operações do ICMBio na UC. O pedido foi atendido. Desde então, a Resex Chico Mendes disparou nos registros de desmatamento e queimadas.
A ACP movida contra a União – representada pelo ICMBio e Ibama – foi movida a partir de trabalho conjunto entre o Comitê Chico Mendes e o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA). O desenvolvimento da ação foi conduzido pelo advogado Genésio Felipe de Natividade, que já na década de 1980 atuou como consultor jurídico de Chico Mendes em suas lutas junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, contra a política da ditadura militar de transformar a Amazônia em pasto para a pecuária.
“A ação é uma questão bem técnica porque você tem que demonstrar ao juiz a importância e o efeito dessa ação, e mostrar os danos que estão ocorrendo. Por isso, contratamos um especialista na área ambiental, que fez um laudo para subsidiar a ação. É um laudo técnico Ele dá uma explicação científica. Nós temos que ligar a questão ambiental com a vida, com a água, com a questão urbana”, explica Natividade.
“A ação tem o objetivo de recuperar o que foi danificado, garantir que lá na frente tenha recursos do orçamento para proteger a Resex, garantir a viabilidade econômica para as pessoas que moram lá.”
“Há um pedido para condenar esses órgãos ambientais e a União. O pagamento de indenização por danos materiais e danos morais coletivos porque há um dano coletivo. Cada brasileiro, cada cidadão, está sendo afetado por essa omissão”, completa o advogado.
O pedido de indenização é no valor de R$ 283 milhões pelos danos ambientais causados. A ACP já foi aceita pela Justiça Federal e teve parecer favorável do Ministério Público Federal.
A antropóloga Mary Allegretti, presidente do IEA e uma das influenciadoras intelectuais de Chico Mendes em seus movimentos em defesa da floresta na década de 80, foi quem acionou Genésio Natividade para buscar uma solução jurídica para conter o atual quadro de devastação da reserva. Por sua vez, Allegretti foi procurada por Ângela Mendes, filha de Chico e coordenadora do Comitê Chico Mendes, para buscar uma solução.
“Com isso a gente está demonstrando que não é possível deixar as resex, que são uma iniciativa muito importante na proteção da Amazônia, desprotegidas. Imagine se hoje não existissem as resex. São 25 milhões de hectares, juntos com as Reservas de Desenvolvimento Sustentável. O que seria da Amazônia sem essas comunidades protegendo esse território? As pessoas estavam todas nas periferias das cidades e esse território imenso já teria sido abandonado e estaria no chão”, diz Allegretti ao ((o))eco.
“É muito importante a gente resgatar a importância das resex. Elas foram motivo de ataques neste último governo. Vai ser muito difícil recuperar isso rapidamente.”
A ACP movida pelo IEA será debatida e apresentada junto aos moradores da Resex Chico Mendes, em Xapuri, durante a Semana Chico Mendes 2022, que acontece entre 15 e 22 de dezembro.
Fonte: ((0)) eco