Foto: Breno Esaki/ Miracena

Clima e Florestas – uma equação de valor para as Reservas Extrativistas na Amazônia

Por Mary Allegretti¹

 

A agenda atual do Instituto de Estudos Amazônicos – IEA começou a ser configurada logo após o evento dos 30 anos da morte de Chico Mendes, em dezembro de 2018, em Xapuri, estado do Acre, quando foi publicada uma edição especial da Revista Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR voltada para o legado do líder seringueiro e escrita por cientistas de diferentes formações intelectuais² . O artigo escrito por Philip Fearnside, Euler Melo Nogueira e Aurora Miho Yanai³ inspirou a elaboração de um projeto de pesquisa aplicada, que, em 2022 e 2023, obteve financiamento de duas fundações internacionais4.

Segundo os autores mencionados, “As Reservas Extrativistas na Amazônia mantêm carbono fora da atmosfera evitando assim as emissões de gases de efeito estufa que causam o aquecimento global. Este e outros serviços ambientais, tais como a reciclagem de água e a manutenção da biodiversidade, fornecem importantes motivos para a criação dessas reservas e a sua prioridade nos programas governamentais” (Fearnside et al. 2018:447).

Para quantificar o carbono existente nas Reservas Extrativistas (Resex), Philip Fearnside e sua equipe levantaram dados de biomassa por tipologias florestais para 45 Reservas Extrativistas federais e 26 estaduais, localizadas no bioma Amazônia e criadas até 2014, e concluíram: “As Reservas Extrativistas na Amazônia Legal totalizaram 126,709 km², dos quais 4301 km² (3,4%) foram desmatados até 2014. As reservas tinham um estoque de carbono restante na vegetação florestal (acima e abaixo do solo) de 2,1 bilhões de toneladas. O carbono perdido pelo desmatamento totalizou 74,9 milhões de toneladas” (Op. cit.: 451). 

Considerando o preço estimado entre US$5 e US$15 por tonelada de carbono armazenado nas florestas, no mercado voluntário, o crédito de carbono, ou seja, a remuneração pelo serviço ambiental de proteger o estoque de carbono nas Reservas Extrativistas, evitando a liberação de gases de efeito estufa na atmosfera, poderia viabilizar uma política de desenvolvimento sustentável baseada na ciência e na inovação aplicada à valoração dos produtos da floresta, para as atuais e futuras gerações, com impactos positivos para o país e para o planeta. 

A ideia de criar oportunidades econômicas baseadas em Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), associados aos inúmeros produtos originários da floresta tropical úmida, que asseguram a renda para milhares de famílias residentes nas Reservas Extrativistas e em outras unidades de conservação de uso sustentável, vem sendo implantada em diferentes estados amazônicos. Entretanto, esses empreendimentos, na maior parte dos casos, não chegam a alterar a renda e a qualidade de vida na escala necessária para promover o desenvolvimento regional. 

Por outro lado, em projetos de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa, por meio do desmatamento e degradação florestal evitados, a escala seria outra. As Reservas Extrativistas, na maior parte dos casos, têm áreas extensas e, muitas vezes, sob forte pressão por desmatamento, condições que permitiriam, nas regras atuais, compensações financeiras relevantes por prazos extensos. 

Tendo essa perspectiva em vista, definimos os seguintes objetivos para o trabalho do IEA: (i) Apoiar as comunidades tradicionais extrativistas e sua instituição representativa, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), na formulação de um modelo de gestão que garanta acordos de Pagamento por Serviços Ambientais elaborados e implementados em termos e condições equitativos; (ii) Priorizar a modalidade de Pagamento por Serviços Ambientais derivados da retenção de carbono nas florestas, uma vez que diferentes iniciativas (privadas e públicas) com esse objetivo vêm sendo implantadas na Amazônia; (iii) Capacitar comunidades das reservas extrativistas a respeito de potenciais benefícios e riscos envolvidos nos projetos de geração e comercialização de créditos de carbono no mercado voluntário, na metodologia de desenvolvimento de projetos de REDD+5

A metodologia adotada para a elaboração e execução dos projetos incluiu a formação de uma equipe técnica multidisciplinar; a sistematização das informações disponíveis relacionadas aos arranjos atuais para o pagamento por serviços ambientais a fim de avaliar as ferramentas de gestão utilizadas e as lições aprendidas; visitas aos projetos em execução e/ou já implantados; o estudo sobre modelos de contratos, pagamentos e gestão; o inventário de investidores de PSA; seminários técnicos e entrevistas com especialistas; e elaboração de material para capacitação de comunidades para projetos de REDD+ em Reservas Extrativistas.

Atualmente, as iniciativas existentes na Amazônia, que beneficiam – direta ou indiretamente – Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), podem ser agrupadas em duas modalidades: (i) iniciativas de REDD+ que consistem em doações em pagamentos por resultados alcançados na redução do desmatamento, em parceria entre governos locais e bancos públicos; (ii) projetos privados do mercado voluntário de créditos de carbono de floresta nativa em parceria com comunidades em unidades de conservação estaduais, sob a chancela dos governos dos estados. Alguns exemplos:

(i) Projetos de REDD+ jurisdicionais mediante acordos entre governos subnacionais como o Programa REM – REDD for Early Movers, nos estados do Acre e Mato Grosso, com recursos da Alemanha e do Reino Unido (2008).

(ii) Comunidades e recursos privados: 

– Projeto Juma, implantado na Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Juma, no estado do Amazonas (2009), resultado de parceria da Fundação Amazônia Sustentável (FAS) com hotéis Marriott Internacional.

– Projeto Jacundá, implantado na Resex Estadual Rio Preto Jacundá, no estado de Rondônia (2012), parceria da Associação da Resex com a empresa Biofílica.

– Projeto Rio Cautário, em implantação na Resex Estadual Rio Cautário em Rondônia (2020), parceria das famílias residentes com a empresa Permian Brasil.

Os projetos jurisdicionais, apoiados pela cooperação internacional, seguem, atualmente as regras de monitoramento e reporte definidas no âmbito da Estratégia Nacional para REDD+ – ENREDD+. Os projetos mais consolidados no mercado voluntário (Juma e Jacundá) seguem regras definidas em acordos entre as comunidades, os governos estaduais, as empresas e organizações da sociedade civil. 

O mercado de carbono cresceu exponencialmente nos últimos anos gerando uma busca significativa, por parte de desenvolvedores de projetos, por áreas propícias para a geração de créditos de carbono na Amazônia Legal. Em diversas situações, as empresas que realizam essa prospecção apresentam propostas de contratos para comunidades que não estão familiarizadas com a terminologia, as modalidades de projetos de carbono, os riscos e os potenciais benefícios associados.

A falta de informações, protocolos, salvaguardas, procedimentos, verificação e domínio dessa realidade são gargalos que fragilizam o processo de tomada de decisão pelas comunidades. As negociações de participação, repartição de benefícios e responsabilidades por parte das comunidades extrativistas, diante da pressão ocasionada pela expansão do mercado de carbono, ainda precisam ser fortalecidas para que os processos sejam justos. Caso contrário, corre-se o risco de iniciativas, que têm potencial de beneficiar centenas de famílias e efetivamente proteger a floresta amazônica, terem efeitos desagregadores da perspectiva comunitária.

Durante o desenvolvimento dos projetos sobre PSA o IEA adquiriu a convicção de que é possível formular e desenvolver bons projetos de crédito de carbono em reservas extrativistas se as comunidades adquirirem conhecimento sobre o tema e desenvolverem metodologias e instrumentos apropriados para firmar parcerias públicas e/ou privadas com segurança, independência e transparência.

A partir dessa constatação, novos apoios surgiram. Para 2023 e 2024 o IEA renovou parcerias e recebeu doação do Instituto Clima e Sociedade para (iCS) para capacitar o CNS e comunidades extrativistas sobre mudanças climáticas, florestas e financiamento de projetos de crédito de carbono para povos da floresta. Com recursos do iCS, também está planejada a implantação de um Observatório de PSA e REDD+ para divulgar experiências em territórios sob gestão comunitária com informações sobre resultados, riscos e benefícios locais. 

Complementarmente, o IEA está focado em apoiar o fortalecimento institucional e organizacional das entidades representativas da Reserva Extrativista Chico Mendes, especialmente em relação a jovens e mulheres. No campo da juventude, recebemos o apoio do Fundo pela Amazônia JBS para formular uma Proposta de Educação Profissional e Técnica que deverá fundamentar uma política apropriada a esse segmento estratégico para o futuro da sociedade amazônica.

Todos esses esforços serão complementados por parcerias focadas em viabilizar a formulação de um Projeto Demonstrativo de Pagamento por Serviços Ambientais/REDD+ para controle do desmatamento e degradação florestal que represente, também, um Plano de Desenvolvimento Sustentável para a Resex Chico Mendes em parceria com as comunidades residentes.

Finalmente, com apoio do Environmental Defense Fund (EDF), organização não governamental parceira do IEA desde sua criação, realizamos a primeira iniciativa de capacitação oferecida ao Conselho Nacional das Populações Extrativistas no início deste ano. A oficina “Mudanças Climáticas, Florestas e Financiamento de Carbono para Povos da Floresta” aconteceu em Brasília, entre 10 e 12 de janeiro de 2023, com a participação de lideranças extrativistas de todos os estados da Amazônia. Um dos principais resultados do evento foi a elaboração, pelos participantes, do documento “Diretrizes para Programas/Projetos de REDD+ em Reservas Extrativistas”, primeiro conteúdo de um conjunto que continuará sendo produzido nas capacitações planejadas para esse ano nos estados do Pará, Acre e Amapá. O documento, em português e inglês, está abaixo e no site do IEA: https://institutoestudosamazonicos.org.br/.

 

Acesse aqui as Diretrizes para Programas/ Projetos de REDD+ em Reservas Extrativistas

 

Acesse aqui o Termo de parceria e cooperação que entre si celebram o Instituto de Estudos Amazônicos – IEA e o Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS

 

1 Agradeço a colaboração da equipe técnica do IEA que trabalhou, em 2022, para construir o projeto de Pagamento por Serviços Ambientais/REDD+ e trabalha, em 2023, para, em parceria com o CNS, desenvolver um modelo de REDD+ apropriado para as Reservas Extrativistas: Fernanda Venzon, Daniela Bonamigo, Ronaldo Weigand, Stoney Nascimento Pinto, Bruna Lima, Daniella Brum e Pricila Aquino.

2 Edição especial da “Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente” da Universidade Federal do Paraná (UFPR) sobre os 30 anos do Legado de Chico Mendes, organizada em conjunto com o IEA e a Universidade da Flórida e publicada em dezembro de 2018. https://revistas.ufpr.br/made/issue/view/2648

3 FEARNSIDE, Philip; NOGUEIRA, Euler Melo e YANAI, Aurora Miho. “Maintaining carbon stocks in extractive reserves in Brazilian Amazonia”, Edição especial: 30 Anos do Legado de Chico Mendes, Vol. 48, novembro 2018, págs. 446-476. https://revistas.ufpr.br/made/article/view/58780

4 Projetos “Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e direitos das populações tradicionais na Amazônia brasileira” apoiado pela Full Circle Foundation e “Criando acesso mais inclusivo de Programas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) entre comunidades tradicionais do Brasil” apoiado pela Tinker Foundation para um período de dezembro de 2021 a março de 2023.

5 REDD significa Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal e REDD+ inclui conservação e aumento de estoques de carbono florestal e manejo sustentável das florestas

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