Análise do Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) aponta que maioria dos entrevistados pretende ficar nas áreas de origem, mas sem investimentos, 1/3 está disposto a mudar para conseguir emprego
O projeto Educação em Reservas Extrativistas (Resex), um programa piloto de educação técnica e profissional desenvolvido em Unidades de Conservação, acende um alerta importante: a falta de oportunidades vinculadas à economia da floresta pode levar ao vazio territorial em áreas protegidas da Amazônia. A iniciativa, realizada pelo Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) com financiamento do Fundo JBS pela Amazônia, foi liderada pela antropóloga Mary Helena Allegretti que, em 1985, junto a Chico Mendes, ajudou a criar o conceito das Resex. As áreas são protegidas por lei para frear a descaracterização do bioma a partir da valorização dos meios de vida dos povos tradicionais da floresta.
O primeiro passo foi entender a relação entre os jovens moradores de Unidades de Conservação (UCs) e o ensino nas comunidades locais. O IEA realizou, entre junho e agosto de 2023, uma pesquisa com 131 pessoas, com idades entre 15 e 36 anos, do Acre, Amapá, Amazonas e Pará. Observou-se que quase 66% dos entrevistados pretendem permanecer em seus territórios ao terminarem os estudos.
O acesso à educação superior (37% dos entrevistados concluíram essa etapa) parece colaborar com o interesse em suas áreas de origem, “visando o desenvolvimento participativo dos seus territórios”, analisa a pesquisa. Questionados sobre a vontade de realizar um curso profissionalizante e em quais áreas, 42% apontaram que gostariam de se tornar agente agroflorestal e socioambiental. Já 28% revelaram que ingressariam em cursos de Engenharia Florestal, Agricultura Sustentável, Técnicas de Manejo Sustentáveldo Solo, como Sistemas Agroflorestais, ou seja, todas áreas relacionadas ao meio onde vivem.
Para cerca de um terço dos jovens, a saída das comunidades tradicionais e de áreas de conservação após a conclusão da graduação é uma possibilidade concreta, “uma vez que os investimentos têm sido pouco expressivos, não restando para eles trabalho e renda se lá permanecerem”.
“Sem políticas e iniciativas que integrem a conservação da floresta à geração de renda e ao desenvolvimento local, comunidades tradicionais e populações ribeirinhas são forçadas a migrar para centros urbanos em busca de melhores condições de vida. Esse movimento, além de impactar negativamente a conservação da biodiversidade, pode fragilizar a proteção dessas áreas”, afirma Daniela Bonamigo Zupiroli, Diretora Administrativa e Financeira do IEA e coordenadora do projeto.
Para a diretora do Fundo JBS pela Amazônia, Andrea Azevedo, o tema da educação é transversal a todos os outros projetos que o fundo apoia. “Esses jovens são a chave para avançarmos na agenda que alia desenvolvimento humano à conservação ambiental. Somente por meio de um compromisso coletivo será possível construir um bioma mais justo e conectadoas suas raízes”, afirma.
A escola ideal
Questionados sobre a escola ideal, grande parte dos entrevistados respondeu que seria aquela que dá ênfase ao tipo de ensino que mais se aproxima da cultura local. Um dos jovens respondeu que o ideal seria “uma escola no e do campo, que atenda às diversidades de alunos, onde os conteúdos abarquem as realidades cotidianas”. “O contexto aponta para um novo modelo educacional a nível estadual e nacional, que atenda à realidade da floresta, vinculando as práticas tradicionais e as novas oportunidades mais contemporâneas”, afirma Zupiroli.
Como conclusão do projeto, as principais referências a uma escola ideal são as experiências das Escolas Família Agrícola (EFAs) e das Casas Familiares Rurais (CFRs), com a metodologia baseada na “alternância pedagógica”.
Nesse método, o aluno alterna períodos de estudo na escola e períodos de aplicação dos conhecimentos adquiridos em casa,permitindo com que ele compartilhe os aprendizados com a família, aplicando as técnicas produtivas aprendidas com seus pares comunitários.
“É um ensino diferenciado, que dialoga com a educação ambiental, a utilização dos recursos de forma racional e a conservação da biodiversidade. O próximo passo será o desenvolvimento de um projeto pedagógico com essas características locais já aplicadas nessas escolas, muito mais próximas das realidades dessas comunidades”, explica Zupirolli.